Cachê da Desgraça: a celebração do azar dos brasileiros
- Gustavo Escobar
- 21 de mai.
- 6 min de leitura
Se você acompanha celebridades como Cauã Reymond, Carlinhos Maia e Virgínia Fonseca, provavelmente já se deparou com alguma divulgação sobre plataformas milagrosas que prometem dinheiro fácil. Caso nunca tenha cruzado com esse tipo de anúncio, saiba que eles são extremamente sedutores e perigosos.
Neste artigo, vamos entender como essas plataformas de apostas vendem um sonho impossível e utilizam a influência de figuras públicas para atrair uma população financeiramente vulnerável.
A Ilusão do Dinheiro Fácil
Uma pesquisa realizada pelo DataSenado em 2024 revelou que 42% dos apostadores estão endividados e quase um terço está fora do mercado de trabalho. Esses números deixam claro que grande parte dessas pessoas se encontra em uma situação financeira delicada, tornando-se alvos fáceis para promessas de enriquecimento rápido.
Mas essa busca por um golpe de sorte não é exatamente uma novidade para os brasileiros. Afinal, quem nunca fez uma “fezinha” na Mega da Virada, sonhando em começar o ano milionário? O desejo de mudar de vida, com um único bilhete, é compreensível, especialmente para quem enfrenta dificuldades financeiras. Dentro desse contexto, não é difícil entender por que tantas pessoas são seduzidas por plataformas que prometem ganhos fáceis. A ilusão parece perfeita: a solução para todos os problemas está a apenas um clique de distância.

No entanto, diferentemente de uma aposta pontual na loteria, essas plataformas são projetadas para prender o usuário em um ciclo viciante e destrutivo. O crescimento desenfreado dos jogos de azar online tem causado impactos preocupantes, levando muitas pessoas a perderem dinheiro, acumularem dívidas e até enfrentarem problemas psicológicos. O que começa como uma esperança de mudança pode rapidamente se transformar em um caminho sem volta.
O Crescimento Assustador das Apostas Online
O avanço desenfreado das plataformas de apostas chamou a atenção até do Banco Central. Em setembro de 2024, uma pesquisa foi realizada para comparar a arrecadação mensal das apostas online com a das loterias tradicionais. O resultado foi alarmante. Enquanto as loterias da Caixa Econômica Federal arrecadaram R$ 1,9 bilhão no período, as plataformas de apostas online superaram esse valor em 11 vezes, atingindo a marca de R$ 21,1 bilhões.
Esses números escancaram a dimensão do problema. O que há poucos anos era praticamente inexistente, hoje se tornou parte da rotina de milhões de brasileiros. O mercado das apostas não apenas cresceu, mas se enraizou na cultura popular, influenciando hábitos e até transformando a maneira como muitas pessoas enxergam o dinheiro. Mas como chegamos a esse ponto?
As plataformas de apostas não cresceram sozinhas. Elas contaram com uma poderosa estratégia de divulgação, impulsionada por figuras públicas que gozam de grande credibilidade entre seus seguidores. E é aí que entra o papel das celebridades na normalização e na popularização desse mercado.

O SEU FAMOSO FAVORITO!
Com milhões de seguidores nas redes sociais, as celebridades se tornam verdadeiros ímãs para o público, seja ao compartilhar momentos de sua vida luxuosa ou ao divulgar seus próprios empreendimentos. E é aí que surge o problema: esses produtos e serviços nem sempre refletem a experiência real dos consumidores. Você realmente acredita que a pele da Xuxa era impecável apenas por ela usar Monange? Talvez sim, talvez não. Mas é impossível ter certeza absoluta que as celebridades realmente utilizam o que promovem; no máximo, podemos saber que elas estão sendo pagas para divulgar o produto ou serviço pela obrigatoriedade de aviso que é um anúncio publicitário, o famoso "#publi".
No caso das casas de apostas, essa questão se torna ainda mais evidente. Seguindo uma estratégia de marketing semelhante, esses sites e aplicativos são amplamente divulgados por figuras conhecidas, que mostram o quão fácil é ganhar dinheiro. Vídeos cuidadosamente produzidos exibem apostas aumentando em tempo real, como se o lucro fosse garantido, enquanto outras campanhas vão além, transformando essas personalidades na própria identidade da marca. O rosto da celebridade aparece em destaque, dando credibilidade ao negócio e atraindo ainda mais jogadores.
A estética é vibrante, chamativa, projetada para parecer simples e acessível. O convite à participação é quase irresistível, e agora, para ajudar, uma celebridade milionária sorri para você, reforçando a promessa de ganhos fáceis. O estrago está feito.
E como negar?
Por que uma figura pública se sujeitaria a algo assim? No início, antes da popularização dessas plataformas, até poderia haver certa margem para discussão, já que os impactos negativos dos jogos de azar não eram tão evidentes. Mas e agora, com eles sendo amplamente debatidos por todo o Brasil, qual seria a motivação para alguém atrelar sua imagem a algo que tem causado tantos prejuízos? A resposta é simples e está diretamente ligada ao que mencionamos anteriormente: o lucro é gigantesco.

A revista Piauí divulgou uma reportagem revelando os valores impressionantes envolvidos nesses contratos. Um dos destaques foi o caso de Virgínia Fonseca, cujo acordo foi apelidado pela publicação de “cachê da desgraça”. Segundo a matéria, a influenciadora recebe cerca de 30% do valor perdido pelos usuários que utilizam a plataforma. Ao assinar o contrato em dezembro de 2022, ela recebeu um adiantamento de R$ 50 milhões. E os números não param por aí: com apenas um Story, Virgínia teria atraído 120 mil novos participantes.
Embora hoje esteja vinculada a outra plataforma, seu contrato nem sequer figura entre os maiores do setor, o que só reforça o imenso poder financeiro dessas empresas e sua capacidade de persuasão. Agora, imagine essa estratégia multiplicada por diferentes influenciadores, com públicos diversos e múltiplos canais de divulgação. Fica claro que a influência das celebridades tem sido um dos principais motores do crescimento explosivo dessas plataformas, e para compreender melhor todo este cenário, o senado decidiu ir direto à fonte, as convocando para a CPI das BETS.
Gostando ou não, está tudo dentro da lei!
A CPI das Bets, promete jogar luz sobre o funcionamento das plataformas de apostas esportivas no Brasil e sua crescente influência social e econômica. A primeira convidada foi a influenciadora Virginia Fonseca, que apareceu em um visual casual — moletom preto com rosa, estampado com a cara de sua filha, calça jeans e rosto sem maquiagem — para prestar depoimento. Fotografias com deputados, vídeos enviados para familiares dos parlamentares e respostas cuidadosamente alinhadas com seu advogado marcaram a ocasião, em um espetáculo acompanhado por milhões nas redes sociais.

Durante a audiência, alguns deputados levantaram preocupações legítimas sobre os riscos de vício associados às plataformas de apostas. Os jogos são, de fato, envolventes e potencialmente perigosos para usuários suscetíveis. No entanto, em sua fala, Virginia reforçou que está disposta a colaborar com qualquer medida que esteja em conformidade com a legislação, e é justamente aí que entra uma das principais controvérsias em torno do tema.
Gostemos ou não, as bets, em sua grande maioria, operam dentro do que determina a lei brasileira. As campanhas publicitárias são planejadas, os avisos sobre o risco do jogo estão presentes, e a classificação indicativa informa que o conteúdo é voltado para maiores de 18 anos. Do ponto de vista jurídico, as plataformas seguem os requisitos mínimos estabelecidos — e fazem questão de manter essa conformidade para evitar problemas maiores.
A questão, porém, ultrapassa os limites legais e entra no campo da ética e do impacto social. O design dos aplicativos, muitas vezes lúdico e atrativo, com mascotes e cores vibrantes, pode não ser ilegal, mas levanta dúvidas sobre a real intenção de quem se comunica com o público. A influência dos criadores de conteúdo é massiva, e vai muito além das redes sociais: hoje, até grandes emissoras de televisão contam com essas marcas como patrocinadoras. A CPI, portanto, está diante de um dilema moderno. De um lado, plataformas que operam sob a proteção da legalidade. Do outro, um modelo de negócio que explora o entretenimento com uma intensidade que pode, sim, levar ao vício e comprometer a saúde financeira de milhares de brasileiros. Entre leis e likes, não existem vencedores.
O que podemos concluir?
As Bets já fazem parte da sociedade. Se há necessidade de controle, essa responsabilidade cabe à legislação. Mas enquanto não há uma regulamentação específica, o foco precisa estar na comunicação. Como essas plataformas são promovidas? Com quem elas escolhem se associar? E, principalmente, qual seria a forma mais ética de divulgar esses serviços para evitar impactos tão negativos?
Culpados ou não, todos os envolvidos desempenham um papel nessa história – e a comunicação tem um peso enorme nisso. Quer entender melhor os trâmites da comunicação estratégica e ética para sua marca? Entre em contato com a Sabujo e descubra como construir uma presença responsável e eficiente

Este artigo foi escrito por Gustavo Escobar, estagiário de Redação na Sabujo. Ele julga quem assiste a reality shows de namoro da MTV, mas já discutiu no Twitter com quem ousou criticar o programa da Band: Mulheres Ricas.
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